sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Minha Selecção

A Minha Selecção

Poemas de António Gedeão

Desencontro

Que língua estrangeira é esta

Que me roça a flor do ouvido,

Um vozear sem sentido

Que nenhum sentido empresta?

Sussurro de vago tom,

Reminiscência de esfinge,

Voz que se julga, ou se finge

Sentindo, e é apenas som.

Contracenamos por gestos,

Por sorrisos, por olhares,

Rodeios protocolares,

Cumprimentos indigestos,

Firmes aperto de mão,

Passeios de braço dado,

Mas por som articulado,

Por palavras, isso não.

Antes morrer atolado

Na mais negra solidão.

Soneto

Ao Luís Vaz, recordando o convívio da nossa mocidade.

Não pode Amor por mais que as falas mudem

Exprimir quanto pesa ou quanto mede.

Se acaso a comoção concede

é tão mesquinho o tom que o desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude,

Magoado parecer os olhos pede,

Pois quando a fala a tudo o mais excede

Não pode ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arredio,

Também sofro do mal sem saber onde

Busque a expressão maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,

Em verdade, em beleza, em doce enleio?

Olha bem os meus olhos, e responde.

Rosa Branca Ao Peito

Teu corpinho adolescente cheira a princípio do mundo.

Ainda está por soprar a brisa que há-de agitar a tua seara.

Ainda está por romper a seara que há-de rasgar o teu solo fecundo.

Ainda está por arrotear o solo que há-de sorver a água clara.

Ainda está por ascender a nuvem que há-de chover a tua chuva.

Ainda está por arder o sol que há-de evaporar a água da tua nuvem.

Mas tudo te espera desde o princípio do mundo:

A doce brisa, a verde seara, o solo fecundo.

Tudo te espera desde o princípio de tudo:

A água clara, a fofa nuvem, o sol agudo.

Tu sabes, tu sabes tudo.

Tu és como a doce brisa, a verde seara e o solo fecundo

Que sabem tudo desde o princípio do mundo.

Tu és como a água clara, a fofa nuvem e o sol agudo

Que desde o princípio do mundo sabem tudo.

O teu cabelo sabe que há-de crescer

e que há-de ser louro.

As tuas lágrimas sabem que hão-de correr

Nas horas de choro

Os teus peitos sabem que hão-de estremecer

No dia do riso.

O teu rosto sabe que há-de enrubescer

Quando for preciso.

Quando te sentires perdida

Fecha os olhos e sorri.

Não tenhas medo da Vida

Que a Vida vive por si.

Tu és como a doce brisa, a verde seara e o solo fecundo

Que sabem tudo desde o princípio do mundo.

Tu és como a água clara, a fofa nuvem e o sol agudo.

A tua inocência sabe tudo.

Biografia de António Gedeão

Rómulo de Carvalho foi professor, pedagogo e autor de manuais escolares, historiados da ciência e da educação, divulgador científico e poeta.

Nasceu a 24 de Novembro de 1906, na Rua do Arco do Limoeiro em Lisboa. Filho de José Avelino da Gama natural de Tavira, e de Rosa das Dores Oliveira Gama de Carvalho, natural de Faro.

Fez a instrução primária no Colégio de Santa Maria, em Lisboa. Entre 1917 e 1925 estudou no Liceu Gil Vicente. Em 1925 matriculou-se no Curso Preparatório de Engenharia Militar da Faculdade de Ciências. Em 1928 mudou-se para o Porto, onde se matriculou no curso de Ciências Físico-Químicas, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, que concluiu em 1931.

Passados três anos realizou o Exame de Estado para o Ensino Liceal, iniciando a actividade docente no Liceu de Camões (Lisboa), continuando no Liceu D. João III (Coimbra) e, depois no Liceu Pedro Nunes (Lisboa), sendo aqui Professor Metodólogo a partir de 1958.

A partir de 1946 foi um dos directores da Gazeta de Física, órgão da Sociedade Portuguesa de Física, cargo que exerceu até 1974. Morreu a 19 de Fevereiro de 1996, em Lisboa.

Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.



Trabalho elaborado pela Ana Rita & Inês Costa da turma do 8ºA

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